quarta-feira, 7 de abril de 2010

Do Zero


Deu até uma vergonhinha básica no início do “Zero” outro espetáculo trazido pelo Sesc, que sempre tem menos gente do que deveria, no Teatro de Itajaí. Papi e mami cheio de dedos e certezas apontavam para o protótipo de bebê-criança-ser-descobrindo-o-mundo esbravejando todas aquelas frases feitas que pronunciamos sem nem perceber mais: “você acha que a vida é brincadeira? não é não meu filho!”; vai fazer suas coisas e, vez de ficar aí com a cabeça na lua” e outras do tipo.

Péssimo quando alguém nos mostra, ou melhor, excelente quando alguém nos mostra, de forma sutil, como nós erramos todo dia. E quer prato mais cheio pra erro do que criar filho? É um banquete, que se perpetua por gerações. Indigesto.

Por outro lado, os filhos nos obrigam a olhar pra nós mesmos. Transparecem a consequência do nosso comportamento. Dos nossos valores. Da nossa forma de enxergar e se posicionar no mundo. Eles nos obrigam a nos rever, a investigar, a remexer o fundo. É fácil ser sozinho, difícil é se relacionar. Ter o compromisso de assumir os atos, de assumir as ausências e as falhas.
Hoje acho engraçado quando vejo as mães de primeira viagem preocupadas com a cor do enxoval e os cuidados com o recém nascido. Mal sabem que está recém nascendo uma tarefa que pode ter sido adiada, mas que uma hora chega.
E que hora! Junto com uma coisinha que chora, faz coco e mama, junto com seios inchados de leite, junto com confusões hormonais que assemelham-se a bombas atômicas, junto com a mulher, a profissional, a esposa, a do lar, a bailarina-que-devia-ter-sido, a vontade-ainda-de-fazer, a menininha, a escritora, a que tem dúvidas, a que quer ser mil. E uma. Isso é hora pra saber quem eu sou e a que vim?

Estreita é a porta e difícil é o caminho, porque dá um trabalho desgraçado e é doloroso jogar fora algumas coisas, buscar outras, formando um composé do que realmente tem valor e nos serve. Não é opcional, tem que encarar e pronto.
Voltando ao Zero, do Ex pressinha on line:

Excelente o espetáculo trazido pelo Palco Giratório do Sesc. Já ouvi de artistas que o ritmo desse Palco Giratório é pesado, viajam para várias cidades, numa rotina meio exaustiva de apresentações, tudo pra ficar mais econômico pra quem banca. Tipo, dorme como dá, come dá, hoje aqui amanhã acolá, mas no palco precisa ser cem por cento.
Se a dupla da Cia Mevitevendo, de São Paulo, estava cansada não deu pra notar. O que se viu é uma sintonia perfeita entre gentes e bonecos, dando pernas e braços e vozes para que eles ganhassem vida. De verdade! Irretocáveis o enredo, o figurino, a iluminação, o cenário, e a arte na essência.

Senhor Z, um velho ranzinza (- Bom dia por quê?) pra quem a vida não teve graça e tudo é ruim, tudo é chato, tudo é tédio. Uma criança que não pôde ser? Adultos nervosos que esqueceram de dar espaço? E alguém que cresce sem a brincadeira e o lúdico, sem ver a beleza do todo-dia-é-dia, alguém pra quem o fardo de viver é pesado demais. Sem música, sem dança, sem prazer e sem deleite. Sem riso!
E de repente um vislumbre de felicidade, e de repente um aprisionamento dessa sensação e a vida se esvai novamente, fica presa na gaiola. Numa batalha com a morte, (ma-ra-vi-lho-sa!), a vontade de continuar; metáfora perfeita da vida aqui fora, onde a gente precisa perder, ou quase perder, pra querer de volta, valorizar, se agarrar com unhas e dentes e ver que tudo mais é minúsculo e insignificante perto da imensidão de vida.
E finalmente a gente se permite rolar no chão, dar risada e ficar mais à vontade, sem todos aqueles tem-que-ser-assim que o mundo adulto conhece tão bem. Morrer pra renascer. Morrer todos os dias pra desanuviar a cuca. Pra ser. E principalmente, pra evitar de empurrar goela abaixo em pequenos grandes seres a máxima “você pensa que vida é brincadeira?”

Caramba, e como é!

Crianças, DEFENDAM-SE! Não deixem que papai e mamãe convençam vocês do contrário. Vida é delícia, é diversão, e problema é crescimento. O resto é resto. Sem peso. Começando do Zero. Todo SANTO dia.

PS - Aproveito o tema para agradecer ao Davi Antonio, que completou 10 outonos, por ser meu pequeno grande mestre e estar compartilhando desse tempo comigo, me ensinando a ser mais gente a cada dia. Ainda demora, mas um dia chegamos lá. Beijoca amore, te amo dum tamanho assiiim ó.

* texto publicado na coluna Ex pressão, que a autora assina semanalmente no jornal Página3.

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